terça-feira, 28 de julho de 2009

Ainda o Jota: Há festivais de música de Verão onde se pula, se bebe cerveja, mas também se reza

Há festivais de música de Verão onde se pula, se bebe cerveja, mas também se reza

27.07.2009 - 09h23 António Marujo
Sim, há cerveja, pares de namorados que se beijam apaixonadamente, música até às tantas, palcos diversos, DJ, fãs quase em histeria com as suas bandas preferidas, uma pequena zona comercial, um acampamento, e quem venha ou vá para a praia, ali a 500 metros. Mais um festival de Verão? Sim.

Ou não: "Neste festival, a diferença é que falamos da radicalidade do evangelho e tentamos evitar algumas degradações", diz ao PÚBLICO o padre Jorge Castela, 37 anos, director do Departamento de Pastoral Juvenil da Guarda e responsável da programação musical do Festival Jota, terceiro festival de música cristã que ontem terminou em São Jacinto (Aveiro). Por isso, será muito difícil haver bebedeiras ou drogas - as bebidas alcoólicas têm a venda controlada. "Esperamos que não aconteça."

Jorge Castela é também líder e uma das vozes da Banda Jota. Em palco, o pop-funk transfigura o padre. Com boina, ele pula, bate palmas, puxa pelos espectadores, curva as ancas em movimentos de dançarino. "Quem gosta de Jesus diga: eu!" E inicia uma das músicas da banda com mais sucesso entre os pelo menos 1200 jovens no recinto: "Não pares de pular, não pares de rodar, não pares de acenar, não pares de dançar, não pares de gritar."

Os movimentos do público seguem a letra. O entusiasmo aumenta à medida que a banda redobra o ritmo e o som. É um momento alto do concerto de sábado à noite. Mas a noite fica ao rubro quando Gaby Soñer, francês, 47 anos, em Espanha há 23 e ex-líder da banda Capitain Flynn, toma conta do palco. Apenas acompanhado por duas guitarras acústicas e a voz de Mariola Alcocer, Gaby, dois grandes brincos nas orelhas, mostra a voz poderosa de cantor rock e um corpo que se transfigura na música que compõe.

Convertido à fé cristã no âmbito do Renovamento Carismático Católico, grupo que tem uma das suas marcas na expressão da oração pela música e pelos gestos corporais, Gaby não pára quieto, desce do palco, vem junto das pessoas. A dada altura, ajoelha-se na relva húmida, abre-se uma clareira de gente em volta que bate palmas, baila os corpos e entoa os coros. "Dios de amor, Dios de bondad, tu me creaste para adorarte, You are my Lord, Cristo vive, Aleluia", Gaby mistura as línguas numa babel unificadora. "Dou-vos o meu coração", grita depois já de cima do palco. "Esta música expressa aquilo que nasce dentro de mim, com a força que Deus me permite", diz logo a seguir ao concerto. Músico de rock durante doze anos, há outros dez a fazer música religiosa, Gaby diz que as suas composições são uma "fusão entre rock e alegria". E admite admirar músicos como os Ever Last, um "hip hop acústico", e a portuguesa Mariza - "estoy loco".

"Esta música mexe comigo porque fala de algo em que acredito", diz Mariana Guarino, 17 anos, enquanto dança os ritmos dos Simplus, a banda do Estoril que abre a noite. Os Simplus são substituídos pela multidão em coro quando, por dois minutos, uma falha de corrente corta o som de palco: "A vida não vai parar, tens tudo para dar..." Vinda de Valongo do Vouga (Águeda), Mariana diz: "Gosto muito de música com mensagem." Inclui-se aqui um grupo como os Xutos e Pontapés. "Ambos [bandas religiosas e Xutos] fazem pensar na vida, nas nossas atitudes."

O evangélico Héber Marques e a sua banda encerram o concerto do palco principal com direito a três encores. Cruzando o funk, o soul e os ritmos africanos, e ainda com um momento de rap, Héber Marques, 25 anos, professor de Música, admite que um mercado para esta música não é fácil em Portugal. "A diferença está só nas letras. Mas tem havido grande aceitação de muita gente" - e todas estas bandas já gravaram discos.

No final do concerto, quase duas da manhã, os ecrãs projectam a oração da noite. Um conjunto de imagens do dia, pontuadas por títulos: "Um tesouro, a água, o alimento, os amigos, a música..." E uma frase de São Paulo a fechar: "Trazemos este tesouro em vasos de barro, para que se veja que este extraordinário poder é de Deus e não é nosso." Daí a segundos, abre-se a tenda do disc-jockey para pôr toda a gente a dançar mais uma hora.



Rock cristão, uma história incipiente em Portugal


Ao contrário do que acontece em países como os Estados Unidos, Brasil, Itália, Espanha ou França, a música rock ou pop de inspiração cristã não tem, até agora, grande tradição em Portugal. Mas houve já várias experiências de reconhecida qualidade neste campo.


No final da década de 70, um grupo de jovens da paróquia de Santos-o-Velho levou a Fátima a paraliturgia musical Páscoa Libertação. Ainda em 1979, em Aveiro, o Salmo do Século XX e, depois, as Dez canções para a paz (já no início da década de 80), ambas da autoria de Carlos Pedro e no âmbito da pastoral de jovens da diocese, aliavam também a qualidade musical ao fino trabalho literário - o elemento que ainda precisa de ser aperfeiçoado por algumas das bandas que estiveram neste fim-de-semana no Festival Jota.


Uma segunda vaga iniciou-se com o projecto Kyrios, que chegou a ser apresentado na Expo-98, em Lisboa. Agora, os mais conhecidos desta área serão os Pontos Negros e a editora Flor Caveira, que reúne protestantes e evangélicos da área de Lisboa, onde a qualidade literária e musical se juntam de novo. Na madrugada de domingo, Clara Raimundo e Pedro Marques apresentaram também o seu duo Laetare, cuja sonoridade remete imediatamente para os Madredeus com Teresa Salgueiro, e onde há bons prenúncios no trabalho literário e de composição.


Provavelmente por estas razões o padre Rui Barnabé, director do Secretariado da Pastoral Juvenil de Aveiro, insiste na necessidade da qualidade - uma das marcas que a organização e os quase 200 voluntários conseguiram imprimir nesta edição do Jota.


Talvez por isso, também, um dos workshops de sábado à tarde era para aprender a fazer música. Rafael Campanile, brasileiro de 34 anos, a viver em Portugal há sete e professor na Oficina de Música de Aveiro, ensinava como deveriam entrar, à vez, bateria, baixo, guitarras e teclas. "Se não funcionar como grupo, não adianta." E do festival onde está a colaborar, diz já ter ouvido algumas composições da Luz Jovem, banda de Setúbal que tocaria à noite no palco secundário: "Tem um som gostoso."


António Marujo
Publicado no Jornal Público
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