quarta-feira, 20 de maio de 2009

Sepultura medieval do Alto da Quintinha: guardava ossos com mil anos


Em Julho de 2005 durante os trabalhos de construção da linha de electricidade de ligação à Sub-estação de Mangualde, foi descoberta a sepultura medieval do Alto da Quintinha. A mesma foi identificada pelos trabalhadores que aí procediam à escavação de uma vala para implantação de um dos apoios desta infra-estrutra. A sepultura, que se localiza na periferia da actual cidade de Mangualde, junto ao cruzamento da Estrada Nacional 16 com a Estrada Nacional 234 (freguesia e concelho de Mangualde), foi parcialmente destruída pela maquinaria que laborava então, facto que motivou uma intervenção arqueológica de emergência levada a cabo pelo signatário.

A sepultura foi escavada no granito deteriorado que constitui a rocha de base, tendo os seus construtores destacado a área da cabeça, definindo claramente o antropomorfismo na arquitectura deste sepulcro. A cobertura dos defuntos aí inumados era feita com lajes de granito e os espaços entre estas lajes e entre estas e a sepultura foram preenchidos por terra, telha grosseira e calços de granito. Na zona da cabeceira, a uma cota superior à das lajes de cobertura, foram identificadas outras lajes que, cremos, poderão corresponder a uma cobertura anterior.

A sepultura tinha ossos humanos conservados, contudo, encontravam-se em fraco estado de preservação, em particular as extremidades e esqueleto axial, muito provavelmente devido à acidez característica dos solos graníticos. Não obstante o estado de conservação dos ossos, foi possível identificar dois indivíduos adultos do sexo masculino. A estatura que foi possível de calcular a partir da análise desses ossos aponta para que um dos inumados tivesse 170 cm de altura, valor comum entre as populações de características latinas. O estudo dos ossos permitiu ainda reconhecer que os indivíduos inumados nesta sepultura padrões tinham actividades físicas de reduzido esforço, coerentes com sociedades de características sedentárias.

A análise de paleopatologias ou lesões degenerativas nos esqueletos, apenas determinou evidências que indicam o contacto de um dos indivíduos com um foco de infecção a determinada altura da sua vida, porém, não foi possível identificar a bactéria específica por essa infecção.

Dado a raridade do achado e a escassez de dados cronológicos precisos para o mundo funerário rupestre realizou-se uma datação de radiocarbono por método convencional. A calibração do resultado obtido forneceu um intervalo de tempo entre 890-1020, isto é o enterramento de um dos indivíduo aí identificados ocorreu num momento entre estas duas datas, sendo probabilisticamente mais provável que esse acontecimento se tenha dado durante o século X. Todavia esta datação apenas data o evento da morte deste defunto, sendo a sepultura certamente mais antiga, já que, tal como hoje, as sepulturas eram sistematicamente reutilizadas. A identificação de dois indivíduos não significa, aliás, que estes tivessem sido os únicos a ser aí inumados, uma vez que a deficiente conservação do material ósseo poderá ter determinado a decomposição total de restos osteológicos de outras eventuais inumações.

A singularidade da sepultura do Alto da Quintinha deve-se ao facto de nela se terem conservado restos ósseos. A conservação de ossos em terrenos graníticos é rara e ocorre normalmente em cemitérios com longa e continuada utilização. Pode ser essa a situação já que há referências orais sobre o aparecimento de mais ossadas nas imediações, o que sugere estarmos perante uma necrópole cuja dimensão é, por agora, impossível de determinar.

O estudo da sepultura e a datação de um dos enterramentos nela efectuados constitui, actualmente, o elemento cronológico absoluto mais antigo para a construção de sepulturas escavadas na rocha antropomórficas na área das Beiras, tendo este tipo de sepulcros perdurado pelo menos até ao século XV.

Texto da autoria de 
Pedro Pina Nóbrega, Filipa Neto e Catarina Tente, 
publicado no jornal Notícias da Beira, de 20-05-2009

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