segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Salvaguarda do Património Arqueológico da Igreja


Quando se fala em Bens Culturais da Igreja raramente se fala no património arqueológico que a Igreja Católica detém, quer no subsolo dos seus templos quer nos seus museus. Esta omissão faz com que seja “um dos patrimónios” mais negligenciado e que ao longo dos tempos mais se tem perdido.

O património arqueológico permite-nos conhecer e traçar a história das comunidades que nos antecederam e que celebraram a mesma fé nos mesmos templos em que hoje a celebramos. Cabe a nós assumir a importância deste património e promover a sua salvaguarda, honrando assim aqueles que nos precederam e legando aos vindouros vestígios que formaram a identidade das nossas comunidades.

Sabemos que antigamente se realizavam enterramentos nos adros das igrejas e mesmo no seu interior, por isso é normal que nestes locais se encontrem ossos ou até sepulturas escavadas na rocha que remontam à Idade Média. O estudo destes vestígios permite-nos traçar uma caracterização das pessoas de uma determinada comunidade paroquial, identificando a idade à morte, o género, doenças e deformações que sofriam, indícios de crimes ou violência, entre outros dados que os documentos escritos não guardaram.

Ao longo dos tempos os estilos artísticos foram mudando o que se reflectiu nos retábulos dos altares e nas imagens dos santos venerados. Se no caso dos retábulos procedia-se à sua adaptação ou substituição, já no caso das imagens, estas eram destruídas e enterradas no subsolo das igrejas. A sua recuperação permite não só recuperar as obras de arte que estas peças são, mas também conhecer os santos que eram venerados em determinada época. Por exemplo, em Quintela de Azurara foi recuperada no subsolo da Igreja Paroquial uma imagem de Santa Catarina do séc. XV, demonstrando que nesta época aqui se venerava aquela Virgem Mártir, culto esse que se perdeu ao longo dos tempos e era desconhecido da actual comunidade.

Não foram somente os estilos artísticos que se foram alterando, também as nossas comunidades paroquiais sofreram mutações. As variações demográficas ditaram a alteração estrutural do templos, quer aumentando os seus espaços, quer construindo novos templos sobre os antigos, ou abandonando alguns para construir outros. Para a maioria dos casos não temos documentação que ateste estas alterações, sendo os vestígios arqueológicos os únicos documentos que comprovam a evolução dos nossos templos, sinal das mutações que as nossas comunidades foram sofrendo.

Em algumas igrejas apareceram vestígios arqueológicos anteriores às comunidades cristãs, como por exemplo aras romanas. Apesar de estes vestígios não nos revelarem dados sobre as comunidades cristãs que nos precederam, devem ser salvaguardados, pois eles demonstram a antiguidade do território em que as nossas comunidades se implantam e a existência de outros cultos de gerações anteriores.

Para a salvaguarda e conhecimento deste valioso património que as nossas comunidades detêm é importante que quando se faça obras profundas nos nossos templos e que envolvam escavações, aberturas de valas ou qualquer outra intervenção no subsolo, estas obras sejam acompanhadas por um arqueólogo ou precedidas da abertura de sondagens. Estes trabalhos não devem ser encarados como entraves à realização das obras ou como causadores de maiores custos ou demora na sua concretização, mas antes como trabalhos necessários para a salvaguarda de um património que é de todos nós e que guarda marcas da identidade das comunidades cristãs que nos precederam. Existindo um bom planeamento das obras que se querem fazer, os trabalhos arqueológicos não são um entrave, assim como o não são os trabalhos de conservação e restauro dos retábulos e da imaginária que, também, encarecem as obras e muitas vezes causam algumas demoras, mas são essenciais para a salvaguarda de um património que nos foi legado pelos nossos antepassados.

O Departamento dos Bens Culturais da Diocese está disponível para auxiliar as paróquias nos casos em que esteja em causa a salvaguarda do património arqueológico.

Por fim deixamos as palavras proferidas pelo Papa Bento XVI a 20 de Dezembro último durante uma audiência ao Pontifício Instituto de Arqueologia Cristã:

Conhecer a herança das gerações cristãs passadas permite que as sucessivas se mantenham fiéis ao depositum fidei da primeira comunidade cristã e, permanecendo no mesmo caminho, continuar a ressoar em todos os tempos e lugares o imutável Evangelho de Cristo.
Publicado no Jornal da Beira

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